quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Trastes



Boa tarde!


    Hoje vou abordar um assunto que é dúvida recorrente entre os clientes, e é motivo para muitos "luthiers" enganarem seus clientes: "Quando devo trocar os trastes do meu instrumento?"

 Muitas vezes eu me deparo com instrumentos que exibem os trastes em "estado de calamidade pública", como os da foto ao lado. O cliente muitas vezes se pergunta: "por que os trastes chegaram nestas condições se eu uso a guitarra pouco?
Existem muitas possíveis respostas para isso, abrangendo desde a qualidade do traste, o uso do instrumento e a sua conservação.






1 - QUALIDADE DOS TRASTES
     Existem trastes das mais diversas marcas, modelos e preços. O que os diferencia, são as dimensões (altura e espessura) e a proporção de níquel, cobre e zinco, principalmente. De uma forma geral, o traste que apresenta mais níquel em sua composição (18%) é o traste que mais dura no instrumento (mais do que isso, o traste se torna duro demais, dificultando demasiadamente a utilização de ferramentas para nivelamentos, e até mesmo para a instalação). Por este motivo, trastes da marca Dunlop, por exemplo, são tão valorizados. Trastes mais baratos, em geral, apresentam mais cobre em sua composição, o que os faz menos resistentes e, consequentemente, menos duráveis Muitos "luthiers" os preferem pela facilidade em se trabalhar com eles, não se importando com a durabilidade do material que está utilizando no reparo. Quando instalados há alguns dias, os trastes menos duráveis exibem logo uma coloração avermelhada ou amarelada na região onde há desgaste pelas cordas.

2 - CONSERVAÇÃO DO INSTRUMENTO
   Cordas velhas tornam-se ásperas pela sua oxidação (basta passar os dedos ao longo delas para perceber a aspereza). Desta fora, funcionam como lixas nos trastes, diminuindo substancialmente sua duração. Os músicos que economizam em trocas de corda, acabam gastando muito mais em trocas de trastes.



  • Quando devemos trocar os trastes e quando a retífica (nivelamneto dos trastes) pode ser aplicada para remover as marcas deixadas pelas cordas e o consequente trastejamento?


Quanto mais próximos os trastes da escala, maior a possibilidade dos dedos e das cordas encostarem na madeira quando pressionados contra os trastes. Desta forma, maior o atrito e mas difíceis se tornam os "bends". Além disso, maior é o desgaste da madeira da escala, chegando, em alguns casos, a formar grandes cavidades, como os da imagem abaixo.


      Por isso, quando as cavidade formadas formadas pelo desgaste dos trastes são muito profundas e as cordas chegam muito próximas da escala, opta-se, em geral pela substituição e não pela retífica, mas quando ainda há altura de trastes que garanta um conforto para o músico (sem influenciar na sua forma de tocar), opta-se pela retífica. Por isso, quando um "luthier" lhe disser que há necessidade de trocar os trastes, analisem bem para não serem enganados, pois isso acontece muito!!!!


  • Ok, optei por trocar os trastes.... Qual o melhor traste para mim?


      A escolha das dimensões dos trastes é única e exclusivamente do músico, pois a adaptação ao novo modelo de trastes vai depender da forma de tocar do instrumentista.
     Trastes menores (como o Dunlop 6230, por exemmplo) aumentam o atrito dos dedos com a madeira, dificultando bends ou em alguns casos a velocidade da mão esquerda
     Em geral, trastes maiores, como o Dunlop 6000 ou 6100, por evitarem o contato da corda e dos dedos com a madeira, facilitam os "bends", mas também tem a desvantagem de dificultarem a afinação para quem aperta muito as cordas (quanto maior a força aplicada pelos dedos, mais esticadas ficam as cordas, e mais aguda soará a nota, podendo chegar a sair da frequência típica da nota, simulando uma desafinação). Segue aqui uma tabela retirada do site http://www.guitarpartsresource.com/ com tamanhos de alguns trastes dunlop. Vale lembrar que o Dunlop 6000 é o maior traste fabricado pela marca e o 6230 é o mais utilizado em violões e guitarras fender vintage:

MODELO
ALTURA (mm)
LARGURA (mm)
6000
1,47
2,99
6230
1,08
1,99
6100
1,4
2,79
6105
1,4
2,29



Foram citados aqui os trastes da dunlop, mas existem outras marcas com a mesma proporção de níquel, isto é, tão duráveis quanto os dunlop, como Stewmac ou Jescar. abaixo segue uma imagem do site http://www.lutherie.net/fret.chart.html  para que se tenha ideia das dimensões dos trastes:




Até a próxima!


domingo, 6 de maio de 2012

Luthiers "The Good, The Bad and The Ugly"


Antes de mostrar como ficou o braço da strato, vou falar um pouco de um trabalho que estou fazendo para reparar um péssimo trabalho de um “Luthier”. Tudo começou quando o dono da guitarra foi a este “Luthier” para fazer dar uma melhorada em seu instrumento. Logo, o “Luthier” resolveu convencer este cliente a colocar em sua guitarra uma ponte que ele tinha lá para vender. O único problema é que a ponte não era feita para este tipo de instrumento e não cabia na guitarra de uma forma aceitável, e após vender, o “Luthier” resolveu fazer uma gambiarra para instalar. Com este intuito, ele fez algumas escavações no instrumento, porém, utilizando ferramentas de uma forma indevida.


Como pode ser observado nas fotos, a furação parece mais ter sido feita com um garfo do que com uma tupia...Este tipo de trabalho me deixa um pouco revoltado e me faz pensar em como definir um luthier bom ou ruim. Seguem algumas dicas para os músicos escolherem o profissional que vai mexer em seus instrumentos:


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  • Com certeza uma das primeiras coisas a se verificar quando for contratar o trabalho de um luthier, são os trabalhos que ele já fez. Veja se quem já experimentou o serviço recomenda ou se tem alguma ressalva.
  • Não menos importante que a primeira sugestão: verifique se ele realmente investe em seu trabalho, isto é, se tem ferramentas próprias para luthieria. Atualmente existem muitos fornecedores internacionais e algumas excelentes iniciativas nacionais que fabricam ferramentas para luthieria. A maioria das ferramentas é indispensável em uma oficina ou athelier e sem elas, não há como fazer um bom trabalho com um bom acabamento. Abaixo seguem dez exemplos ( Amaioria das fotos foram retiradas de www.stewmac.com), entre centenas possíveis:
1.       Limpadores e óleos próprios para instrumentos: atualmente existem diversas marcas de limpadores, polidores e óleos próprios para instrumentos, portanto, não há motivos para a utilização de polidor de móveis ou cera automotiva... Plagiando os dizeres do Luthier (excelente por sinal) e grande amigo Guzzardi: Carro é carro, móvel é móvel e guitarra é guitarra;

      2.       Lima para arredondamento de trastes: é uma ferramenta imprescindível para um bom acabamento após retífica de trastes, caso contrário, fica complicado fazer os trastes voltarem à forma arredondada original. Existem vários modelos e formas, mas um bom exemplo é a da Stewmac (www.stewmac.com), mostrado na figura ao lado. Alguns Luthiers preferem as limas triangulares para este serviço.


3.    Furadeira de bancada (ou de coluna): uma furadeira vertical que garante furos de 90° e o encaixe perfeito de buchas e parafusos na madeira. Há imagens da minha no post anterior.

      4.       Tupia manual e/ou de mesa: máquina indispensável para escavar madeira, fazendo cavidades com acabamento perfeito. 



      5.      Trastes de boa qualidade (Dunlop ou Stewmac, por exemplo)



6.      Réguas com marcação para distâncias de cordas em nut




7.       Serras e/ou limas com medidas exatas para slots de nut, para que as cordas não fiquem presas ou folgadas nas respectivas cavidades do capotraste






      8.       Gabaritos de raio de escala. São utilizados com diversas finalidades, mas as principais são verificar qual o raio de curvatura da escala e colocar as cordas neste mesmo raio durante a regulagem.




9.       Serra de slots de trastes, para fazer canais para os trastes com a medida certa para que não fiquem folgados, correndo o risco de se soltarem ou movimentarem na cavidade, e nem apertados demais, deformando a madeira durante seu encaixe.



10. Curvador de trastes: garante que os trastes tenham uma curvatura correta para o assentamento na madeira sem forçar e deformar o metal, reduzindo as imperfeições nas trocas de traste.





Enfim, para se trabalhar com luthieria, um bom investimento deve ser feito, assim como para a maioria das profissões, e isto irá ajudar a obter bons resultados. É claro que ferramenta não é tudo e a experiência conta mais que isso. Mas podem ter certeza que a fama do luthier o precede e que, se fizerem uma boa investigação antes de deixar seu instrumento com ele, com certeza não deverão ter surpresas desagradáveis quando o serviço estiver concluído.

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Bom, voltando à guitarra, conversei com o cliente e resolvemos voltar o instrumento ao que era originalmente.
Para reparar a furação imperfeita, e agora desnecessária, foi imprescindível escavar com auxílio de gabaritos e da tupia manual, uma área maior em cada furo com a finalidade de lineariza-los, o que possibilitaria fazer enxertos de madeira em todos eles. 



 Depois, com pedaços de maple, foram esculpidas peças que se encaixavam perfeitamente em cada furo. 

As peças foram então coladas em seus devidos lugares e o instrumento foi raspilhado e lixado para o nivelamento perfeito dos enxertos. 


   
     O cliente havia solicitado que a pintura do instrumento fosse do tipo Sunburst duas cores, isto é, um degrade preto na lateral e amarelo translucido no centro. O único problema disso era que o amarelo translúcido deixaria que os enxertos aparecessem, portanto, chegamos a uma solução para o problema com a colagem de lâminas de maple nas duas faces do corpo da guitarra antes da pintura. O resultado pode ser visto nas foto que seguem, que mostram exatamente como o corpo da guitarra ficou antes da pintura.





 O pior de tudo é que o problema ainda não acabou... o braço foi um outro serviço feito pelo "Luthier" que resolveu trocar o tensor. O final do serviço dele (sim!!! exatamente como estava!!!) pode ser visto nas fotos, que dispensam explicações. Mas esta parte do trabalho está em andamento e postarei assim que tiver terminado....



Um abraço e até a próxima (que eu prometo que não demorará tanto como esta!!!)!!!